Aparência versus verdade

É muito frequente encontrar parágrafos bastante polpudos acerca dos novos paradigmas culturais, acompanhados de expressões voltadas às exigências das novas situações e hermenêuticas. Também os valores humanos e morais parecem apresentar outros perfis. As instituições, dizem os analistas da sociologia e da cultura, são chamadas a “reinventar-se”, pois que na nova realidade pós-moderna a velocidade das mudanças parece fugir aos domínios dos melhores intérpretes. E parece mesmo verdade que o frenetismo dos apressados pode contagiar a todos. Entre tantos efeitos, a imagem afigura-se valer mais do que a verdade. Sem uma boa imagem é difícil oferecer um bom produto.

Mas, e quando o “produto” é a relação com Deus, qual é o caminho a palmear? Aflora-me esta pergunta porque recordo o evangelho deste domingo (Mc 12, 38-44). Jesus estava no templo, no lugar onde eram deixadas as ofertas. E observava o comportamento dos que por lá passavam e ofereciam suas contribuições. Os mais abastados deitavam belas somas em moedas. Em contraste, uma pobre viúva lançou apenas duas pequenas moedas. Em valores nominais, a diferença era abissal. Com as duas “pequenas moedas” no máximo se compravam dois pequenos pães.

Quem foi mais generoso? A pergunta introduz o debate entre aparência e verdade. A narrativa do evangelista começa assim: “Guardai-vos dos escribas que gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados (…) das primeiras cadeiras nas sinagogas (…) dos primeiros lugares nos banquetes” (12, 38-39). Também naquela época prevalecia o hábito de destacar os já destacados. A aparência parecia salvar a verdade. Mais que isso, aparentar afigurava-se suficiente tanto diante de Deus quanto diante dos outros. Afinal, a “sinagoga” era lugar para ouvir a Palavra de Deus e os banquetes eram exercícios de comunhão. Tanto em um quanto em outro havia os que buscavam a “imagem” de “primeiros”.

Da viúva nada refere o texto sobre suas vestes, sobre o lugar, sobre suas “grandezas”. Órfãos e viúvas eram o retrato vivo de pessoas desamparadas. Não tinham defensor, não podiam contar com algum arrimo. Sua esperança e sua defesa era o “seu” Deus. De pouco serviam suas seguranças. Nada tinham para aparentar. É bonito observar o narrador bíblico. Ele apresenta Jesus como intérprete dos gestos: uns depositavam muito. Mas davam de suas sobras. Davam apenas moedas. Não era preciso amar, nada havia que renunciar. Da viúva a palavra tem estes termos: “Esta, porém, pôs, da sua indigência, tudo o que tinha para a sua vida”.

Em termos de quantidade, uns ofereceram muito. E não se tratava de falsas aparências. Apareceram bem; quem sabe granjearam muitas admirações. Mas ofereceram apenas moedas. A outra, a das duas moedinhas, ao depositá-las como oferta, entregava sua confiança, suas possibilidades. Não buscava restituições, ganhos, muito menos evidências. Sua fé inspirava escolhas e opções desde dentro. Ela não deu sobras. Deu a si mesma. Ninguém percebera o que ela trazia de aparências. Sua meta era “abandonar-se”. Esta é a diferença entre religiosidade e fé.

Como aquela viúva, felizmente, há sim, também hoje, verdadeiros profetas da verdade. Os verazes não precisam de alardes ou de muitas cores. Em meio a muitas apelativos de apresentar-se com belas imagens e/ou aparências, a eles basta ter causas nobres pelas quais vale a pena consagrar a vida. Estes entregam a si mesmos.