Por Dom José Antônio Peruzzo – Arcebispo da Arquidiocese de Curitiba
A ninguém é difícil constatar que vivemos tempos de muitos temores. Parecemos estar constantemente assustados. Os riscos de a violência nos atingir são muito reais. A precaução está a se tornar um estilo de vida. Comportamentos defensivos assemelham-se a prudência. Fatos de intolerância se enumeram. Tudo isso se verifica na política, nas relações entre grupos e comunidades, nos movimentos sociais, nas famílias… Com incrível facilidade se instauram os confrontos. E de toda ordem. Por outro lado, as más notícias vindas do mundo econômico e político parecem contaminar todos os âmbitos da vida. Em realidades assim o discurso pessimista se afigura lógico.
Sim, a tensão é real e inquietante. E o que a sabedoria cristã nos recomendaria? Um antigo provérbio chinês pode inspirar a reflexão: o que é melhor, amaldiçoar a escuridão ou acender uma vela? Com facilidade emprega-se o termo “tolerância” e “diversidade” como linguagem para atitudes nobres. Embora válidas estas palavras, parece-me que a promoção da “paz” tem alcance bem mais alargado. A primeira, a tolerância, comporta em aceitar a diferença. Já a paz supõe relações sadias e justas entre os diferentes. Uma ajuda a superar preconceitos, mas a outra difunde a fraternidade.
Gostaria de recordar aqui uma informação vinda dos evangelistas. Falei de “informação”, por ser apenas uma menção fugaz. Mas, muito mais do que isso, é uma eloquente mensagem. Refiro-me a Mt 10,2-5: é a lista dos seguidores de Jesus. Entre eles havia um (Mateus, o publicano) que coletava impostos em favor dos romanos. Era tido como uma fi gura repulsiva, como traidor do povo, pois que cobrava tributos em favor do poderoso império tirano. Havia também um outro, “Simão, o zelote”, cuja motivação era promover a guerrilha contra os romanos.
Entre aqueles dois grupos, ou seja, os publicanos e os zelotes, as diferenças não eram apenas de caráter partidário ou ideológico. Eram inimigos figadais. Odiavam-se. Entretanto, ambos tiveram que “rever-se” em profundidade. A partir do chamado tudo passaria a depender da causa em favor da qual consagrariam o seu viver. Se a grande meta seria vencer o adversário, então o confronto seria a melhor alternativa. Por outro lado, se a grande causa era o bem da comunidade de seguidores, então tudo urgia por novas escolhas. Era urgente ouvir uma outra voz, a do Mestre.
Algo assim vale para hoje, para cada cristão. Mais do que comportamentos “tolerantes”, somos interpelados a atitudes pacificadoras. Tanto para “Mateus, o publicano”, quanto para “Simão, o zelote”, foi preciso mudanças a partir de dentro. E hoje, quando podemos começar?