Por PE. MAURÍCIO GOMES DOS ANJOS
Reitor e pároco do Santuário Sagrado Coração de Jesus
Coordenador da Comissão de Liturgia
A Páscoa é uma festa móvel (celebrada em datas diferentes em cada ano) por sua vinculação ao ciclo lunar. Os judeus celebram a Páscoa no dia da primeira lua cheia da Primavera (no hemisfério norte). Os católicos acertaram ao celebrar a Páscoa no domingo após a primeira lua cheia da Primavera no hemisfério norte. Para nós, no Brasil e no hemisfério sul, a Páscoa acontece na primeira lua cheia do outono. Essa data foi definida no Concílio de Nicéia, celebrado no ano de 325.
Essa festa solene da ressurreição do Cristo é celebrada pela Igreja com o Tríduo Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, que resplandece como ponto culminante da caminhada quaresmal e núcleo central do Ano Litúrgico. O Tríduo Pascal começa com a celebração eucarística da última Ceia, na quinta-feira à tardinha, estende-se na sexta-feira da Paixão e Morte de Cristo na Cruz, culmina na Vigília Pascal do sábado à noite e se encerra com a celebração da tarde do domingo da Ressurreição (NALC 19).
Como surgiu e organizou-se o TRÍDUO PASCAL ao longo da história?
Até o século II a festa dos cristãos era o domingo, vivido e celebrado como dia de alegria, a páscoa semanal. A partir do segundo século firmou-se a prática de uma festa de Páscoa a cada ano. Até o final do século IV era a única festa anual da Igreja do “Cristo crucificado, sepultado e ressuscitado”. Essa festa era a VIGÍLIA PASCAL que durava toda a noite, culminando ao amanhecer com a eucaristia que marcava a entrada no Pentecostes, entendido como cinquenta dias de festa e de alegria.
Foi ao redor dessa festa (a Vigília pascal) que estruturou-se o Tríduo Pascal que celebra a paixão de Cristo (sexta-feira santa), sua sepultura (sábado) e sua ressurreição (domingo).
O Tríduo Pascal possui uma unidade, na qual cada dia é entendido como momento progressivo da única páscoa da ressurreição: quinta-feira – Páscoa da Ceia; sexta- feira – Páscoa da Cruz – o cordeiro imolado; Sábado: Páscoa da Ressurreição.
Ao longo dos séculos, o Tríduo Pascal passou por muitas reformas. Basta lembrar que a celebração da vigília pascal era antecipada para as primeiras horas da manhã do sábado santo. Foi o Papa Pio XII que permitiu que a Vigília voltasse a ser celebrada na noite do sábado (comece ao anoitecer e termine antes da aurora do domingo). É momento de meditar: “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4) Segundo uma antiquíssima tradição, esta noite é “em honra do Senhor”, e a vigília que nela se celebra, comemorando a noite santa em que o Senhor ressuscitou, deve ser considerada como “mãe de todas as santas vigílias” (Sto. Agostinho, Sermo 219, PL 38, 1088).
Nessa vigília, de fato, a Igreja permanece à espera da ressurreição do Senhor e celebra-a com os sacramentos da iniciação cristã (Cerimonial dos bispos n. 332). A vigília pascal, na qual os judeus esperaram a passagem do Senhor que os libertaria da escravidão, foi observada como memorial celebrado todos os anos; era a figura da futura e verdadeira Páscoa de Cristo, isto é, da noite da verdadeira libertação, quando Jesus “rompeu o inferno, ao ressurgir da morte vencedor” (Missal Romano, Vigília Pascal, n. 19, Proclamação da Páscoa).
A realidade pascal, celebrada na Vigília, assume particular valor com o seu caráter noturno. Celebração que se desenvolve durante a noite, de modo que começa após o início da noite e termina antes do amanhecer de domingo. “Toda a vigília pascal seja celebrada durante a noite, de modo que não comece antes do anoitecer e sempre termine antes da aurora de domingo” (Paschalis Sollemnitatis,n. 78).
Desde o início, a Igreja tem celebrado a Páscoa anual, solenidade das solenidades, com uma vigília noturna. Com efeito, a ressurreição de Cristo é o fundamento da nossa fé e da nossa esperança, e por meio do Batismo e
da Confirmação fomos inseridos no mistério pascal de Cristo: mortos, sepultados e ressuscitados com Ele. Com Ele também havemos de reinar (Cf. SC 6; cf. Rm 6, 3-6).
A celebração da Vigília se desenvolve em torno de quatro símbolos que falam da passagem da morte para a vida. Baseia-se nos quatro elementos fundamentais da origem da vida e aos quatro estados físicos da matéria: Terra (pão e vinho) > Sólido > Água > Líquido Palavra > Ar > Gasoso Fogo > Plasma (energia).
Assim, a vigília estrutura-se em quatro partes:
a. Liturgia da Luz e o Exulte – Fogo
b. Liturgia da Palavra – Ar
c. Liturgia Batismal – Água
d. Liturgia Eucarística – Terra (pão e vinho)
Aprofundemos um pouco mais a primeira parte (fogo) neste artigo, e quem sabe futuramente tenhamos a possibilidade de aprofundar as outras.
A bênção do FOGO NOVO é de origem da Liturgia Galicana. No começo tinha por objetivo substituir, por um sacramental, as fogueiras pagãs que se acendiam no início da primavera em honra de Votan, a divindade fecundadora da terra em vista de abundantes colheitas. Diz o documento Paschalis Sollemnitatis, n. 82: “Na medida em que for possível, prepare-se fora da igreja, em lugar conveniente, o braseiro para a bênção do fogo novo, cuja chama deve ser tal que dissipe as trevas e ilumine a noite”.
Entre todos os simbolismos que derivam da luz e do fogo, O CÍRIO PASCAL é a expressão mais forte por sua riqueza de significados. Prepare-se o círio pascal que, no respeito da veracidade do sinal, “deve ser de cera, novo cada ano, único, relativamente grande, nunca artificial, para poder recordar que Cristo é a luz do mundo (Paschalis Sollemnitatis, 82).
O Círio Pascal deriva de antigos costumes de se iluminar a noite com muitas velas. Os cristãos viram nessas velas simbolizado o Cristo ressuscitado – Ele venceu as trevas da morte. Ele é nossa Luz. Evoca a lua cheia de Nisan (símbolo da salvação pascal) e o rito da luz (quando, ao fim da tarde, os hebreus acendiam as lâmpadas), que é uma ação pelo dom da luz. Representa Cristo ressuscitado, vencedor das trevas e da morte (os cravos do círio), Senhor da história (os algarismos), princípio e fim de tudo (á e &!), sol que não conhece acaso. É aceso com o fogo novo, produzido em plena escuridão, pois na Páscoa tudo renasce.
Foi a Liturgia Galicana quem introduziu as inscrições de Cristo, ontem e hoje, princípio e fim, á e &! (alfa e ômega). Inscreve-se o algarismo do ano corrente, para realçar que Cristo é o centro da História e a Ele compete o tempo, a eternidade, a glória e o poder pelos séculos. São impostos ainda cinco grãos de incenso numa espécie de cravo de cera vermelha, rezando: “por suas santas chagas (estes são os símbolos delas), suas chagas gloriosas, Cristo Senhor nos proteja e nos guarde”. Há uma explícita referência ao sofrimento, à cruz, à dor – mistério da paixão. A tipologia da luz é descrita no Exulte, que forma um todo orgânico com o anúncio da libertação pascal. A aclamação “Eis a luz de Cristo” é um memorial da Páscoa. A procissão com o círio marca a presença de Cristo no meio
do seu povo.
“O círio pascal, colocado junto do ambão ou perto do altar, permaneça aceso ao menos em todas as celebrações litúrgicas mais solenes deste tempo, tanto na missa como nas laudes e vésperas, até ao domingo de Pentecostes. Depois, o círio é conservado com a devida honra no batistério, para acender nele os círios
dos neobatizados. Na celebração das exéquias o círio pascal seja colocado junto do féretro, para indicar que a morte é para o cristão a sua verdadeira Páscoa. Fora do tempo da Páscoa não se acenda o círio pascal, nem seja conservado
no presbitério” (Paschalis Sollemnitatis, n. 99).
Aproveitemos da riqueza dos nossos símbolos, como meios eficazes da graça proveniente do Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição.
*Artigo publicado na Revista Voz da Igreja – Março de 2016.
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