Neste mês missionário, o artigo a seguir apresenta uma reflexão sobre a importância da evangelização e como a Igreja deve agir para que ela aconteça no mundo urbano de hoje:
Denilson Aparecido Rossi [1]
Joachim Andrade [2]
Em qualquer perspectiva que se venha abordar o tema da Evangelização, devemos considerar os múltiplos elementos que o compõem, desde suas origens bíblicas até as mais requintadas e atuais reflexões teológicas e do Magistério da Igreja. Entretanto, dado o propósito do texto que segue, pretendemos fazer aqui apenas breves acenos acerca da evangelização no mundo urbano.
Missão sempre é de Deus – missio dei – e Jesus é o primeiro enviado do Pai. A Igreja recebe suas orientações missionárias nas palavras de Jesus. Antes de voltar para junto do Pai, Jesus disse aos seus discípulos “Ide por todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Pois bem, o apóstolo Paulo, demonstrou ter entendido perfeitamente a orientação e o mandato missionário do Ressuscitado: “Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim; é, antes, uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho” (1 Cor 9,16). Nisso se encontra a natureza missionária da Igreja, onde somos colaboradores dessa missão.
Em sintonia com o referencial bíblico citado, compreendemos que a missão primeira da Igreja é a evangelização, isto é, anunciar o Evangelho de Jesus Cristo a todos os povos, a todas as culturas, em todos os espaços. Servindo-se dos diferentes meios e processos, é responsabilidade e dever da Igreja levar a luz de Cristo a todos, [3] neste ca so, também aos que pertencem e vivem a cultura do mundo urbano.
Não obstante haja vários escritos sérios sobre pastoral urbana, relacionando-a às cidades, entendemos hoje que a cultura do mundo urbano ultrapassa os limites geográficos das grandes metrópoles. Da cidade ao campo, do centro às periferias, dos pequenos aos grandes espaços de convívio humano, a cultura urbana tem influenciado a todos nós.
Partindo do princípio que a Igreja “existe para evangelizar”, o papa Paulo VI, na Evangelli Nuntiandi, já havia apontado para esta questão cultural ao dizer que “não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade […] [4].
Portanto, para evangelizar no mundo urbano precisamos, antes de tudo, indagar: quais são os critérios mais utilizados para se julgar os fatos, situações, instituições e pessoas? Quais são os valores que contam e orientam a vida e quais são os centros de interesse das pessoas? Que linhas de pensamento predominam na atualidade? Quais são as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade em nossos dias?
Assim sendo, entendemos que o primeiro passo no processo de evangelização no mundo urbano é escutar. Trata-se de ir ao encontro das pessoas e estruturas nas suas mais diferentes realidades para ouvi-las com atenção e misericórdia. Compreendemos com clareza que a Igreja não é chamada a anunciar-se ou promover-se a si mesma enquanto instituição, mas sendo instrumento a serviço da promoção do Reino ela deve primeiro escutar e, depois, apontar o Cristo como modelo e projeto para uma nova humanidade, sobretudo por meio do exemplo. Vale salientar aqui que uma das características do mundo urbano é o descrédito aos discursos, isto é, não se acredita mais naquilo que apenas é dito. É preciso dar testemunho para ser merecedor de confiança.
Sentindo-se responsável com tamanha missão, o Papa Francisco convidou os cristãos e as comunidades cristãs a terem a coragem de saírem de suas comodidades para levar a luz do Evangelho nos mais diversos recantos e nas mais longínquas periferias da humanidade. “Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho”.[5] Trata-se da “Igreja em saída”.
A praça da matriz no centro da cidade deixou de ser a referência do encontro entre as pessoas. No mundo urbano são diversos os espaços e os modos das pessoas se encontrarem e buscar sentido para suas vidas. Não podemos mais esperar que as pessoas venham às nossas igrejas para nos escutar. Se pretendemos evangelizar, de fato, precisamos fazer movimento inverso: sair dos nossos espaços eclesiais e ir ao encontro das pessoas em suas diferentes realidades e situações, dispostos a ouvir e a propor o Evangelho de Jesus Cristo como luz e caminho para juntos construirmos a “civilização do amor”, isto é, o Reino de Deus. Quer dizer, a realidade urbana atual nos mostra que precisamos preservar a dinâmica de dois movimentos missionários. O primeiro, a diástole do envio à periferia do mundo e a sístole que convoca, a partir dessa periferia, para a libertação do centro, é o coração da Igreja. Sob a senha do Reino propõe um mundo sem periferia e sem centro.
[1] Mestre em Teologia e professor na PUC-PR.
[2] Doutor em Ciência da Religião e professor na PUC-PR.
[3] Cf. VATICANO II. Decreto Ad Gentes, n. 5. In Documentos do Concílio Vaticano II: constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 2000.
[4] PAULO VI. Evangelii Nuntiandi. Roma, 1975, n. 14. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-nuntiandi.html> Acesso em: 15 de set. de 2017.
[5] FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Roma, 2013, n. 20. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html> Acesso em: 21 de mar. de 2017.