A Exortação Apostólica pós-sinodal “A Alegria do Amor” (Amoris Laetitia) que o Papa Francisco assinou em 19 de março passado, publicada no dia 8 de abril de 2016 é um documento denso com nove capítulos, 325 parágrafos, 391 notas de rodapé, que “recolhe contribuições dos dois Sínodos recentes sobre a família, acrescentando outras considerações para orientar a reflexão, o diálogo ou a práxis pastoral, e simultaneamente oferecer coragem, estímulo e ajuda às famílias na sua doação e nas suas dificuldades”(cf. nº 4).
Confira alguns olhares que nossa Comissão da Família e Vida lança, inspirada na exortação apostólica:
Amoris Laetitia agrada aqueles que esperavam um novo jeito de considerar as questões ‘espinhosas’ sobre o matrimônio e a família, mas decepciona aqueles que esperavam mudanças radicais. Em sua abrangência o documento tem avanços e limites, como o Papa reconhece no parágrafo 31 ao afirmar: “não tenho a pretensão de apresentar aqui tudo aquilo que poderia ser dito sobre os vários temas relacionados com a família no contexto atual. […] considero oportuno recolher algumas das suas contribuições pastorais, acrescentando outras preocupações derivadas da minha própria visão…”.
SITUAÇÃO ATUAL DA FAMÍLIA
As mudanças antropológico-culturais tomam uma direção, em razão das quais os indivíduos são menos apoiados do que no passado pelas estruturas sociais na sua vida afetiva e familiar. Há também o perigo do “individualismo exagerado que desvirtua os laços familiares e acaba por considerar cada componente da família como uma ilha, fazendo prevalecer, em certos casos, a ideia dum sujeito que se constrói segundo os seus próprios desejos assumidos com carácter absoluto”(cf. nº 33). Apesar disso, “como cristãos, não podemos renunciar a propor o matrimônio, para não contradizer a sensibilidade atual, para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade face ao descalabro moral e humano; estaríamos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer”(35).
O Papa pede que se faça uma autocrítica, pois “muitas vezes apresentamos de tal maneira o matrimônio que o seu fim unitivo, o convite a crescer no amor e o ideal de ajuda mútua ficaram ofuscados por uma ênfase quase exclusiva no dever da procriação. Também não fizemos um bom acompanhamento dos jovens casais nos seus primeiros anos, com propostas adaptadas aos seus horários, às suas linguagens, às suas preocupações mais concretas”(36). E que “muitos não sentem a mensagem da Igreja sobre o matrimônio e a família como um reflexo claro da pregação e das atitudes de Jesus”(38).
O AMOR NO MATRIMÔNIO
O papa faz uma reflexão a partir de 1Cor 13, 4-7, dizendo que: “uma pessoa mostra-se paciente, quando não se deixa levar pelos impulsos interiores e evita agredir” (91); que “há de ser acompanhada por uma atividade, uma reação dinâmica e criativa perante os outros”(93); pois “o verdadeiro amor aprecia os sucessos alheios, não os sente como uma ameaça, libertando-se do sabor amargo da inveja”(95). E acrescenta: “o amor leva-nos a uma apreciação sincera de cada ser humano, reconhecendo o seu direito à felicidade”(96), que “o que nos faz grandes é o amor que compreende, cuida, integra, está atento aos fracos”(97); que “ser amável não é um estilo que o cristão possa escolher ou rejeitar: faz parte das exigências irrenunciáveis do amor”(99); que “nunca se deve terminar o dia sem fazer as pazes na família. « E como devo fazer as pazes? Ajoelhar-me? Não! Para restabelecer a harmonia familiar basta um pequeno gesto, uma coisa de nada. É suficiente uma carícia, sem palavras”(104); que, mesmo não sendo fácil “quando estivermos ofendidos ou desiludidos, é possível e desejável o perdão”(106).
De forma clara: “não exijo [do outro] que seja perfeito o seu amor para o apreciar: ama-me como é e como pode, com os seus limites, mas o fato de o seu amor ser imperfeito não significa que seja falso ou que não seja real(113).
O amor é algo maior e “casar-se é uma maneira de exprimir que realmente se abandonou o ninho materno, para tecer outros laços fortes e assumir uma nova responsabilidade perante outra pessoa(131). E que “o amor matrimonial não se estimula falando, antes de mais nada, da indissolubilidade como uma obrigação, nem repetindo uma doutrina, mas robustecendo-o por meio dum crescimento constante sob o impulso da graça(134).
ALGUMAS PERSPECTIVAS PASTORAIS
No início do capítulo seis, o papa lembra que “os debates do caminho sinodal puseram a descoberto a necessidade de desenvolver novos caminhos pastorais, e que as diferentes comunidades é que deverão elaborar propostas mais práticas e eficazes, que tenham em conta tanto a doutrina da Igreja como as necessidades e desafios locais(cf. nº 199). Em seguida diz que é preciso anunciar o Evangelho da família que “enche o coração e a vida inteira”.
Retoma o que foi bastante destacado nos dois Sínodos sobre a preparação ao matrimônio apontando que “evidenciou-se a necessidade de programas específicos de preparação próxima para o matrimônio que sejam verdadeira experiência de participação na vida eclesial e aprofundem os vários aspectos da vida familiar”(206) e “procurando uma formação adequada que, ao mesmo tempo, não afaste os jovens do sacramento”(207). Sempre com um bom acompanhamento.
“Provavelmente os que chegam melhor preparados ao casamento são aqueles que aprenderam dos seus próprios pais o que é um matrimônio cristão”(208). Porém, “por outro lado, quero insistir que um desafio da pastoral familiar é ajudar a descobrir que o matrimônio não se pode entender como algo acabado”(218), pois “o amor precisa de tempo disponível e gratuito, colocando outras coisas em segundo lugar. Faz falta tempo para dialogar, abraçar-se sem pressa, partilhar projetos, escutar-se, olhar-se nos olhos, apreciar-se, fortalecer a relação”(224).
ACOMPANHAMENTO, DISCERNIMENTO E INTEGRAÇÃO
O capítulo oito é o que suscita maiores reflexões, pois, de fato, “os Padres sinodais afirmaram que, embora a Igreja reconheça que toda a ruptura do vínculo matrimonial «é contra a vontade de Deus, está consciente também da fragilidade de muitos dos seus filhos»”(291), e neste ano da misericórdia fica ainda mais evidente que “a Igreja deve acompanhar, com atenção e solicitude, os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e extraviado, dando-lhes de novo confiança e esperança” (291).
É fato que “duas lógicas percorrem toda a história da Igreja: marginalizar e reintegrar. (…) O caminho da Igreja, desde o Concílio de Jerusalém em diante, é sempre o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração. (…) O caminho da Igreja é o de não condenar eternamente ninguém”(296), De fato, “ninguém pode ser condenado para sempre, porque esta não é a lógica do Evangelho! Não me refiro só aos divorciados que vivem numa nova união, mas a todos seja qual for a situação em que se encontrem” (297).
Os divorciados recasados “devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo. A lógica da integração é a chave do seu acompanhamento pastoral,…”(299).
Quanto às normas e o discernimento tenha-se presente que “por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja”(305).
O Papa diz: “Compreendo aqueles que preferem uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, « não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada »”(308).
Pede para que nos situemos “no contexto dum discernimento pastoral cheio de amor misericordioso, que sempre se inclina para compreender, perdoar, acompanhar, esperar e sobretudo integrar” (312).
Encerro com as palavras do Papa no último parágrafo, enfatizando que “nenhuma família é uma realidade perfeita e confeccionada duma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar.
Por: Diácono Juares Celso Krum
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Comissão da Família e Vida: Assessor Eclesiástico: Diácono Juares Celso Krun
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