Dom Francisco Cota,
Bispo Auxiliar de Curitiba
A festiva comemoração do Natal nos proporciona lançar um olhar mais abrangente, na forma de escuta, sobre os elementos que compõem o cenário no qual nasceu Jesus. Somos chamados a perceber, nestes elementos, os muitos apelos de Deus. Conforme os desígnios de seu amor, pelo Mistério da Encarnação, seu Filho irrompe no contexto de nossa humana condição para, a partir daí, chamar nossa atenção sobre as realidades que veio resgatar e promover. Dentre outras, podemos enumerar as seguintes: a fé, a gratuidade, a vida humana, o despojamento e a família.
Nos primeiros acontecimentos relacionados com o Mistério da Encarnação, sobressai a fé de Maria e José, que, pelo anúncio do anjo (cf. Lc 1,26-38) e por meio de sonhos (cf. Mt 1,18-24), entregam-se por inteiro para que se cumpram os desígnios de Deus. Ao servir-se dos pequenos (cf. Lc 1,48) e ao prescindir da ordem natural da concepção (cf. Mt 1,18; Lc 1,34-35), sobressai a gratuidade da Ação Divina.
Ao assumir nossa humana condição, o Filho de Deus habitou o ventre de uma mulher (cf. Gl 4,4). Maria bendiz a Deus pelo dom da maternidade quando Jesus ainda se vê no recôndito de seu ventre (cf. Lc 146-49). Também Isabel, grávida de João Batista, ao receber a visita de Maria, diz-lhe que a criança, que se vê ainda em seu ventre, pulou de alegria quando Maria a saldou (cf. Lc 1,41-42). Estas cenas nos permitem refletir sobre o começo da vida humana. Não nos resta dúvida de que esta tem início no momento da concepção. Em decorrência, também a maternidade tem seu início a partir da concepção e não quando se dá o nascimento da criança.
Ao assumir nossa condição humana, a partir da concepção, Jesus, o Filho de Deus, nos revela que a vida humana em sua fase intrauterina – tanto o feto como o embrião – é tão preciosa e inviolável quanto a vida após o nascimento da criança. Decorre daí o imperativo ético da defesa da vida desde a concepção e o consequente repúdio a toda e qualquer ideologia e legislação favoráveis ao aborto.
Outro elemento significativo presente no Mistério da Encarnação é o despojamento. Jesus, o Filho de Deus, nasce em um ambiente simples e despojado (cf. Lc 2,4-7). Cabe-nos perguntar: por que Deus quis assim? Brota deste contexto um grande questionamento para o nosso tempo, marcado pelo consumismo e pela acentuada desigualdade social. A elevada concentração de renda nas mãos de poucos, em esfera mundial, faz com que tantos vivam na pobreza e até mesmo na miséria. O Filho de Deus nasce na pobreza, convidando-nos a olharmos com amor para os pobres e a levarmos uma vida simples e despojada. Só assim alcançaremos um mundo mais igualitário e justo para todos.
Sobressai, no belo cenário do nascimento de Jesus, o ambiente de uma família. Após o anúncio do anjo a Maria, dando-lhe a conhecer que Deus a escolhera para ser a Mãe de Jesus e que a concepção se daria pela misteriosa ação do Espírito Santo, também a José é concedida, em sonho, a missão de receber Maria como esposa e de assumir a paternidade terrena de Jesus. Vemos aqui constituído o núcleo fundamental da vida familiar: o esposo José acolhe a esposa Maria para, juntos, oferecerem cuidados, paternos e maternos, a Jesus menino (cf. Mt 1,18-25).
A partir deste momento, vemos crescer entre Maria e José a relação mútua de amor e cuidados (cf. Mt 2,1-23; Lc 2,1-52). Juntos sobem a Jerusalém para o recenseamento imposto por Herodes. Juntos vivem o drama de não encontrar lugar nas hospedarias para que Maria pudesse dar a luz a Jesus. Juntos se alegram quando os pastores e os magos visitam o Menino. Juntos fogem com o Menino para livrá-lo da fúria de Herodes. Juntos regressam para a Nazaré da Galiléia, após a morte de Herodes. Mais tarde, sobem juntos para a Jerusalém para a apresentação de Jesus no templo e juntos se angustiam com a perda de Jesus, que ficara no templo sem que os percebessem. As narrativas da infância de Jesus se encerram dizendo que, sob os cuidados de Maria e José, “Jesus crescia em sabedoria, em estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2,51-52).
Vemos, nos relatos bíblicos relacionadas com a infância de Jesus, a proeminência da família. Ainda que Deus pudesse, em seus desígnios, enviar-nos o seu Filho sem depender da colaboração humana, Ele escolheu este caminho para evidenciar que o curso de nossa vida, desde a concepção, depende fundamentalmente da família. É na família, constituída da união conjugal entre um homem e uma mulher, sob o beneplácito do Sacramento do Matrimônio, que se dá a geração e a educação dos filhos. O Natal coloca em evidência esta verdade. Como Igreja, somos chamados a servirmos da festiva comemoração do Natal para proclamarmos a boa-nova da vida e da família.
Além de geradora, a família tem um papel imprescindível na educação dos filhos. Diz o relato bíblico que Jesus era submisso a seus pais e que, dia após dia, ele crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens (cf Lc 2, 51-52). Constatamos, hoje, uma grave omissão da família no que se refere à educação dos filhos. Perante este descuido, o Estado tem ocupado este lugar sem levar em conta o bem das futuras gerações. Elabora Planos de Ensino mesclados de ideologias contrárias aos valores que fundamentam a vida familiar e desencadeadores de distúrbios psicoafetivos nas crianças e adolescentes.
Celebremos o Natal deixando-nos tocar, de forma mistagógica, pelos apelos de Deus, daquele tempo e nos dias de hoje.