Igreja e Sociedade, Serviço e Profecia

A Igreja Católica celebra, neste ano de 2015, os cinquenta anos do término do Concílio Ecumênico Vaticano II. Reconhecido como o novo Pentecostes, o Concílio quis, justamente, deixar a Igreja diante do mundo. Nem contra ele, tampouco a ele adaptada, mas nele inserida para transformá-lo, nas palavras do Papa Paulo VI. Desde 1964, porém, um ano antes de terminar o Concílio, a Igreja no Brasil vive esta ação profética de anúncio e denúncia. A Campanha da Fraternidade, que daqui em diante trataremos de CF, cujo primeiro tema foi Igreja em renovação – Lembre-se, você também é Igreja, já é, portanto, uma missão permanente da Igreja há cinquenta anos. Vivemos hoje um momento de grande importância para a Igreja, na qual a esperança não apenas tem lugar, mas alimenta a nossa fé, como sua “companheira inseparável[1]”. Este tempo é um tempo de encontros de muitos sonhos, caminhos e vontades. É sobre esses encontros, esses caminhos e essas vontades que falaremos neste artigo.

A CF-2015 tem como tema: “Fraternidade: Igreja e Sociedade”. E como lema: “Eu vim para servir” (Mc 10,45). O tema já nos traz o primeiro encontro, que é, na verdade, um reencontro da Igreja com o Concílio Vaticano II. Depois de certo distanciamento e de um quase esquecimento das principais orientações conciliares, já que a Igreja fechou-se consideravelmente, nos últimos tempos, na sua doutrina e nos seus sacramentos, o Espírito parece dizer-lhe, “EFATÁ[2]!”. Abrir-se nas palavras do Papa Francisco é também sinônimo de sair. “(…) No entanto, há outras portas que também não se devem fechar: todos podem participar, de alguma forma, da vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer (…)[3]”. Esse encontro, além de nos trazer alegria, nos aponta também o caminho da Igreja como o Povo de Deus[4], na terra. Povo este que tem a missão de transformar este mundo, “teatro da história da humanidade[5]”, na casa dos filhos e filhas de Deus.

É para esse caminho que aponta a seta do Objetivo Geral da CF-2015, que diz: “Aprofundar, à luz do Evangelho, o diálogo e a colaboração entre a Igreja e a sociedade, propostos pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, como serviço ao povo brasileiro, para a edificação do Reino de Deus[6]”. É por isso que a primeira exigência da CF-2015 é o estudo bíblico, a partir de uma Leitura Orante da Bíblia, seguida de um estudo dos Documentos Conciliares[7], das principais Encíclicas[8], Documentos do CELAM[9] e Documentos da CNBB[10].

 

Vontades e encontros

Entre as vontades latentes que impulsionam a Igreja, temos a Missão Permanente, que tem como seu objetivo geral “Animar as forças vivas da Arquidiocese de Curitiba a se colocarem em estado permanente de missão[11]”. É fundamental trazer presente essa vontade, porque a CF já é uma missão permanente da Igreja há cinquenta anos, e a CF-2015 não pode acontecer isolada, porque é a mesma Igreja que sai para anunciar, testemunhar, dialogar e servir. Um encontro e uma vontade que se manifestam na Igreja neste momento histórico são os simbolismos presentes nas ações propostas. Tanto o Texto Base da CF-2015 como o Manual Missionário e o Documento 100 trazem referências à Igreja nascente. Uma Igreja missionária, fraterna, em permanente estado de conversão e, sobretudo, uma Igreja Doméstica. Durante esses pouco mais de dois mil anos de caminhada, a Igreja nos chamou para dentro de seus templos. Como sugere o Evangelho de São Lucas[12], foi como a galinha que chama todos os pintinhos para debaixo de suas asas.

Para exercer com zelo o chamado enunciado na CF-2015, assim como na Missão Permanente, a Igreja precisará ressignificar a sua ação, criando, promovendo e efetivamente vivenciando momentos pedagógicos de formação sistemática. Como mãe e educadora na fé, esta é a sua missão. Se a missão é permanente, também o é a formação.

 

Alguns desafios da relação Igreja e sociedade

Sendo assim, a Economia Solidária, por exemplo, é uma forma de organizar a sociedade, tendo o serviço como paradigma, mas tem esbarrado frequentemente na vaidade ou no despreparo de governos locais e gestores que, apesar de democráticos, buscam mais o poder. Na Igreja, apesar de já acontecerem muitos encontros, ainda persiste certa indiferença. Esse é um caminho cheio de possibilidades e uma vontade que já fecunda as Comunidades Eclesiais de Base. Na relação urgente e necessária entre a Igreja e a sociedade, as mulheres precisam e devem ser ouvidas e atendidas plenamente na sua dignidade de seres humanos. São elas que, com o carisma feminino, vieram para servir e servem, nas pastorais, nos grupos de orações e reflexões, no serviço às comunidades e, de forma especial, na Igreja Doméstica. Apesar de tudo, são praticamente anônimas, quando não clandestinas ou exiladas na própria Igreja. À exemplo de Noadias[13], as mulheres são missionárias permanentes lutando contra as mais diversas injustiças e violências, contra suas próprias vidas, e não têm sequer registro de suas ações. Ninguém melhor que as mulheres pode testemunhar as palavras do Papa Francisco: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças (…)[14]”. O ano de 2015 promete ser um marco para a Igreja que quer servir e ser missionária. Que Deus nos abençoe.

 

João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante.

Mestre em teologia pela PUCPR e

Especialista em Assessoria Bíblica pela EST/CEBI.

É coordenador da formação de assessores/as da CF-2015 na

Arquidiocese de Curitiba e membro do CEBI-PR. 

Referências
[1] MOLTMANN, Jürgen. Teologia da Esperança. São Paulo: Loyola, 3ª ed. 2005.
[2] Marcos 7,34. EFATÁ, significa abra-se, e no Evangelho de São Marcos aparece na cura de um surdo que falava com dificuldade, gago, talvez, e aconteceu na região Decápole, ou região das dez cidades. O fato todo encontra-se em (Mc 7, 31-37).
[3] Evangelii Gaudium – EG – (A Alegria do Evangelho), nº 47.
[4] Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática LUMEN GENTIUM – LG – (Luz das Nações) nº 9.
[5] Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral GAUDIUM ET SPES – GS – (Alegria e Esperança) nº 2.
[6] CNBB. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Texto Base da CF-2015, p. 10.
[7] São as quatro colunas da Igreja pós-conciliar, por assim dizer. A DEI VERBUM, sobre a Revelação Divina; a LUMEN GENTIUM, sobre a Igreja; a GAUDIUM ET SPES, sobre a Igreja no mundo de Hoje; o SACROSANCTUM CONCÍLIO, sobre a liturgia.
[8] São Documentos atualíssimos e que dizem o que a Igreja espera de si. A POPULORUM PROGRESSIO, sobre o desenvolvimento dos povos; a MATER ET MAGISTRA, sobre a evolução da questão social; a DEUS CARITAS EST, sobre o amor cristão; a EVANGELII GAUDIUM, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, e outras.
[9] CELAM: Conselho Episcopal Latino-Americano. Falamos, sobretudo, dos Documentos de Medellín, (1968); Puebla, (1979); e Aparecida, (2007).
[10] Apesar de ser um rico caminho de aprendizado, falamos especialmente do Documento 100. Comunidade de Comunidades – Uma nova Paróquia.
[11] Arquidiocese de Curitiba. Manual do Missionário, p. 17.
[12] Lucas 13,34; Mateus 23,37.
[13] CEBI. Centro de Estudos Bíblicos. Por Trás da Palavra. Janeiro/Fevereiro 2015. Ano 35, nº 206, p. 8. Neemias 6, 14.
[14] Documento 100, nº