“Quem sabe o Natal do Senhor Jesus nos desperte para experimentar a paz”: Reflexão Natalina

Por Dom José Antônio Peruzzo, arcebispo de Curitiba

A celeridade do tempo e a intensidade do ritmo de compromissos contribuem para entorpecer a nossa percepção acerca das belezas e grandezas que a vida nos reserva. Também a complexidade das inquietações que nos envolvem parece desfigurar a qualidade das nossas relações com quem amamos. Quem sabe, o Natal do Senhor Jesus nos desperte para aquele sentido, para muitos quase esquecido, que significa experimentar a paz.

Chegamos ao final do ano. Dado que balizamos o tempo, poderíamos também referenciar as nossas relações. Nós vimos, e, talvez, tenhamos até nos enredado em discussões bastante passionais, além de muito polarizadas. Não é que surgiram muitas luzes. Muitos contrastes sim. Ofensas talvez não tenham sido ainda esquecidas. Quem sabe elas, as ofensas e rancores, ainda inspiram e conspiram. É também muito provável que tenhamos sido impactados com notícias de algum adolescente que se mutilou, que cogitou o suicídio ou até mesmo tentou. É angustiante observar o elevado número de tais tentativas. A lista de preocupações poderia facilmente se alongar mais e mais.

Mas… em que o Natal poderia nos ser inspirador? Ninguém discorda dos grandes valores que conferem sentido ao coração humano. Todavia, parecemo-nos menos capazes de decidir por eles. Com frequência nos esquecemos que o perdão é mais construtivo para quem perdoa do que para o perdoado. Por outro lado, em muitos corações e mentes o pedido de perdão se parece com derrota e fracasso. Além das muitas problemáticas ligadas a questões de relacionamento interpessoal, de convívio e da interioridade, não seria realismo ignorar o que os indicadores sociais explicitam. Desemprego e violência estão a desfigurar a dignidade das pessoas e da vida.

Volto à indagação inicial sobre “experimentar a paz”. Onde e junto a quem podemos encontrá-la? Sistemas e regimes econômicos ainda não a oferecem. Também os “ordenamentos ideológicos”, tão comentados ultimamente, não pacificaram. Ao contrário, semearam discórdia. Em que portas bater? Dado que estas linhas se propõem a uma “reflexão natalina”, gostaria de voltar àquele natal mais originário, lá onde ele começou. Em Nazaré e Belém. A primeira situava-se em uma das regiões mais violentas de toda a Palestina. Eram fortes os movimentos de insurgência contra o domínio romano. Já Belém, bem mais ao sul, era uma região de numerosos pastores. Estes, além de pobres, eram acusados de muitas desonestidades. Também eram muito explorados.

Tanto em Nazaré quanto em Belém era muito difícil falar de paz. Tudo apontava para a sua negação. Em Nazaré prevalecia a violência; em Belém, a injustiça. Mesmo assim o cântico dos Anjos proclamava “Glória a Deus… paz aos homens” (Lc 2,14). Já naquele tempo se falava da Pax Augustea, inspirada na exuberância do império romano. Baseava-se na ausência de guerra e na prosperidade econômica. Não é esta a paz que o Natal do Senhor quer propor. Também não se refere tão somente a bem-estar psicológico. Lucas fala da paz que significa plenitude de vida e da alegria vivida na presença de Deus (Shalôm). Tudo isso supõe condições materiais de “fraternidade desarmada” e condições espirituais para a reconciliação e o perdão.

Por onde começar? A paz sugerida em Belém procede de dentro ou de fora do coração humano. O evangelista não segue este esquema. Ele lembra que a paz é, primeiramente, dom de Deus. A região e a cidade de Nazaré não eram pacíficas. Em Belém, os pastores não necessariamente eram homens bons. Mas tanto em Nazaré quanto em Belém, houve quem tenha ouvido a voz de Deus. Seria um Feliz Natal se nos deixássemos alcançar pela voz de Deus. E conheceremos a paz interior.

Dom Peruzzo