Parece um paradoxo: desde o início, a vida anuncia o seu fim. E a cada dia que passa mais a morte nos procura. Deste tema muito nos custa falar. Não gostamos de abordar. Mas inclui-se entre as maiores certezas da vida. Claro, é mais interessante configurar o presente com novos sonhos; definir objetivos, ousados se possível; enriquecer o futuro com novas metas, empenhando as melhores energias em seu favor. Enfim, a vida está sempre a nos instigar para novas vitórias. Todavia, a fraqueza radical, o absurdo total e inexplicável está à nossa espreita a cada novo passo…
No dia 02 de novembro os cemitérios se enchem. Lá vamos nós, os vivos, a reverenciar os que nos precederam. Vamos visitar o nosso futuro, talvez pensando mais neles, que já foram, do que em nós, que ainda iremos. Queremos manifestar que ainda os temos conosco. Sentimos saudades; oferecemos flores e outros sinais que apresentem nossos vínculos com quem já partiu. Todavia, por mais que queiramos reverenciar os falecidos, a morte estabeleceu distâncias insuperáveis entre nós e eles. Falo de distâncias históricas e materializadas, verificadas por experiências racionais. Parece uma derrota definitiva da vida. A morte, embora tenha chegado depois, impôs-se de modo irrefreável e para sempre. Teríamos apenas passado pela existência e, em determinado momento, qual impotentes, lançados para fora dela.
É exatamente esta a lógica para quem quer avaliar a vida e a morte ignorando a fé. Se faltar a fé em Jesus Cristo e em sua ressurreição, então o Dia de Finados é mais tragédia anunciada do que esperança acalentada. Que luz projeta a Ressurreição sobre este lado da existência? Se houver ressurreição, então até a morte tem sentido. Se esta faltar, neste caso até a vida é vazia. Não é de hoje a indagação. Já os primeiros cristãos se perguntaram. E Paulo, desde primeiros dias do cristianismo ensinou, enfático: “Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão” (1Cor 15,19).
É preciso destacar que cremos em um Deus vivo, que ama a vida. Dele a recebemos. Não fomos nós que a reivindicamos. Ela, a vida, nos alcançou por pura gratuidade do seu autor. Se a morte nos vencesse, então até Deus teria sido derrotado. No passado e no presente há quem pense que ele está morto. Mas como muitos, desde os tempos dos Apóstolos, que se encontraram com Jesus Cristo ressuscitado, somos chamados a fazer da vida uma grande aposta. Não crer equivale a escolher o desaparecimento funesto. Afinal até os mais geniais e poderosos morrem. Crer, por outro lado, não é uma simples opção que se afiguraria menos trágica. É uma maneira de viver.
Nossa morte corporal pertence à ordem da realidade. Não há como evitá-la. Mas quem quer seguir Jesus Cristo no caminho da vida, é chamado a participar de sua vitória no caminho que atravessou também a morte. Para quem crê, a morte é passagem do tempo para a eternidade, do espaço para a infinitude. Mas não é de onipotência que quero falar. Quero sim salientar a plenitude de alegria e felicidade que o discípulo de Jesus conhecerá no encontro eterno com um Deus amoroso. Entre as muitas imagens a que a Bíblia recorre para referir esta realidade vale apresentar aquela de Ap 21,4: Deus, o pai amoroso “enxugará toda a lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas antigas passaram”.
Para quem crê em Jesus Cristo como Filho de Deus e Salvador, até a morte ficou pequena. A ressurreição para a eternidade se tornou uma promessa viva. E nossa vida histórica se tornou um caminho de esperança. Por isso mesmo nós católicos somos ensinados a recitar: “Eu creio na Ressurreição da carne; eu creio na vida eterna”.
Dom José Antônio Peruzzo