Setembro, Mês da Bíblia

Artigo de Dom José Antônio Peruzzo* sobre o Mês de da Bíblia de 2019, que propõe o estudo da Primeira Carta de João

Dom Peruzzo. Foto: Patryck Madeira

Já são anos, décadas aliás, que no Brasil se adotou o Mês da Bíblia como prática para promover maior intimidade com a Palavra de Deus. A primeira vez foi no distante ano de 1947. Houve alguns percalços pelo caminho, mas graças ao bom Deus hoje a Sagrada Escritura é uma das mais vivas expressões da nossa identidade católica. Ainda precisamos melhorar, ainda precisamos conhecer mais e melhor. É preciso que toda a nossa ação evangelizadora seja alentada pelo “ânimo bíblico”.

Não é sem tempo que o apreço pela Escritura se difundiu entre os católicos. Na realidade, estamos até atrasados. Mas desde os tempos do Concílio a Igreja reaprendeu e reconheceu o “gosto” pela Palavra. Muitos e maravilhosos textos oficiais foram publicados. Os estudos especializados se disseminaram com intensidade e profundidade. Mas nada foi tão alvissareiro quanto perceber que é grande o número de católicos que integram o grupo da “Bíblia na mão e o pé no chão”.

É mais do que uma devoção. Muito mais. Os santos são testemunhas históricas de quanto Deus participa dos passos dos que lhe são fiéis. Eles retratam o grau profundo de intimidade cultivada com seu Senhor. São modelos, são exemplos. Mas a Sagrada Escritura é a “ternura de Deus que se fez letra”. É Deus que fala em linguagem de texto. É palavra humana de Deus. É a sua “voz escrita”. Quem a lê, quem a medita, quem ora com a Bíblia é como se se deixasse impregnar pelo Espírito do Senhor. Quantas e quão sublimes experiências de santidade a Bíblia realimentou nos nossos tempos!! O último, e de fácil recordação, é o de Ir. Dulce dos Pobres. Deixou-se amar pela Palavra. Muito a amava. O resultado foi ter dedicado sua vida aos pobres, tudo isso por causa de Deus.

Quando me refiro a oração, e oração com a Palavra de Deus, quero falar da Leitura Orante da Palavra. Esta ainda precisa ser mais conhecida e praticada. É um meio muito apropriado e eficaz para que o cristão se exercite na arte de ser discípulo. Os discípulos “seguiam” Jesus porque o ouviam. Na tradição bíblica quem ouve alguém não está apenas a ouvir sua voz ou suas ideias. Está a acolher a pessoa. Pois bem, é este o processo vivido pelos discípulos. Inicialmente não entenderam o caminho de Jesus para a cruz. Mas porque o ouviam, também seguiam. Na realidade, quem pratica a Leitura Orante passa a interpretar pessoas e situações a partir de Deus. Quem não ora interpreta pessoas e situações a partir das lógicas próprias. Muitas vezes interpreta pessoas e situações inspirado(a) nas próprias feridas.

Retornando ao mês da Bíblia, em setembro. A cada ano alternam-se livros do Antigo e do Novo Testamento. Para este ano as atenções se voltam para a Primeira Epístola de João. Não é um escrito longo; tampouco é dos mais conhecidos. Porém, é um texto muito bonito. Mais que uma carta, foi uma homilia dirigida a uma comunidade mergulhada em incertezas. Como saber se alguém está em proximidade com Jesus Cristo e com Deus? A resposta é quase evidente, mas precisava ter um sentido de boa notícia: quem crê em Jesus acolhe sua palavra e adere a ele praticando o amor que perdoa e reconcilia, que promove a compaixão com os que sofrem e a fraternidade que lembra dos mais fracos, estes o fazem porque Deus está com eles.

Não se pode dizer que nosso tempo e nossas relações estejam muito pacificadas. Impressiona quão tensos e intensos se apresentam os conflitos. As vezes por motivos fortuitos ou mesquinhos. E quantas exclusões de toda ordem!! Quando a Palavra não é ouvida a nossa voz se torna atrevida. E, com frequência, agressiva.


* Arcebispo de Curitiba e presidente da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB