Que a devoção não se transforme em devocionalismo.
Creio que a verdadeira devoção nos leva até Jesus, enquanto o devocionalismo, para no meio do caminho. Ultimamente, alguns temas despertam a curiosidade e chamam a atenção de muitos católicos, como é o caso de se acordar de madrugada para rezar e o dia certo para jejuar. Se alguém me pergunta sobre devoções que pedem para que se levante de madrugada para rezar eu oriento assim: Noite foi feita para dormir.
Agradamos mais a Deus cuidando bem da nossa saúde e da nossa família e tendo paciência e fé nas tarefas de cada dia. A Santa Missa e as orações de costume já são mais do que suficientes para fazermos nossas preces e agradecimentos.
Deus sabe do que precisamos. Quaresma só existe uma: aquela que nos prepara para a Páscoa.
Ninguém é obrigado a fazer todas as devoções que existem. É preciso saber distinguir entre o carisma deixado pelo santo e as devoções pessoais que ele tinha. O dom dado à Igreja é o carisma, enquanto que sua devoção pessoal não tem caráter impositivo, podendo ser ou não seguida. Mas caso alguém queira fazer alguma atividade espiritual de madrugada, durma mais cedo e não deixe que a falta de sono a torne uma pessoa irritada dentro da sua casa e no seu trabalho.
Nada devemos fazer de qualquer jeito. Muito menos a oração.
A verdadeira devoção leva até Jesus que é o autor de toda graça. Quem faz o milagre e vence o mal é sempre Jesus. É dele que vem o poder que cura e liberta. Enfim. Esta é minha opinião quanto a esta ideia de acordar de madrugada para rezar. Lembro do salmo que diz:
– É inútil levantar de madrugada, *
ou à noite retardar vosso repouso,
– para ganhar o pão sofrido do trabalho, *
– que a seus amados Deus concede enquanto dormem.
Sl 126(127).
Entre devoções e asceses também temos muitas inquietações quanto ao tema do jejum. A prática é antiga e faz parte de diferentes tradições religiosas. No Judaísmo sempre esteve presente. No Cristianismo tbm sempre foi valorizada, especialmente na Quarta de cinzas e Sexta feira Santa.
Houve um tempo em que nas sextas feiras se fazia abstinência de carne nas casas de muitos católicos e ainda hoje, há pessoas que assim o fazem. Contudo, não se deve fazer o jejum pelo jejum. Ele deve ser feito em vista de algo maior. Da caridade, por exemplo. Tbm em vista no fortalecimento da própria vontade para que resista as tentações de cada dia. Na Bíblia existem textos preciosos a respeito do sacrifício que agrada a Deus.
Gosto do salmo 50(51) que diz: “meu sacrifício é minha alma penitente”, e Is 58, 3-7 é fundamental: 3 O povo pergunta a Deus: “Que adianta jejuar, se tu nem notas? Por que passar fome, se não te importas com isso?”
O Senhor responde:
“A verdade é que nos dias de jejum vocês cuidam dos seus negócios e exploram os seus empregados.
4 Vocês passam os dias de jejum discutindo e brigando e chegam até a bater uns nos outros.
Será que vocês pensam que, quando jejuam assim, eu vou ouvir as suas orações?
5 O que é que eu quero que vocês façam nos dias de jejum?
Será que desejo que passem fome,
que se curvem como um bambu,
que vistam roupa feita de pano grosseiro
e se deitem em cima de cinzas?
É isso o que vocês chamam de jejum?
Acham que um dia de jejum assim me agrada?
6 “Não! Não é esse o jejum que eu quero.
Eu quero que soltem aqueles que foram presos injustamente, que tirem de cima deles o peso que os faz sofrer, que ponham em liberdade os que estão sendo oprimidos,
que acabem com todo tipo de escravidão.
7 O jejum que me agrada é que vocês repartam a sua comida com os famintos,
que recebam em casa os pobres que estão desabrigados, que deem roupas aos que não têm e que nunca deixem de socorrer os seus parentes.
Depois desse texto, a gente nem tem muito mais a dizer. A prática é tradicional e tem muita história. Contudo, é preciso cuidar para que não se deixe de lado o que é mais importante do que o jejum: a conversão do coração e a solidariedade para com os irmãos. Não existe conversão pessoal que não passe pela conversão eclesial e social. De fato, pessoas animadas pelo Espírito Santo, querem com Ele e como Ele, fazer novas todas as coisas. Não se trata de algo intimista, privado individualista, escondido. Se Jesus nos pede que sejamos sal e luz isso significa que devemos sê-lo para todos e não só para nós mesmos. A verdadeira espiritualidade não é egoista. Não digo essas coisas para polemizar ou me indispor com as pessoas. Quero bem a todos. Meu objetivo é apenas ajudar no caminho de Jesus dentro da Igreja e ajudar os irmãos a viver a liberdade dos filhos de Deus. Não se trata de proibir ou permitir, mas sim, de ajudar a pensar: Isto é razoável? É conveniente? É saudável?
O mandamento do amor é maior do que todas as devoções. Sim. Elas existe e estão aí, mas devem ajudar, e jamais substituir o mandamento do Senhor. No centro sempre deve estar Jesus Cristo. E Ele não é um santo qualquer, mas o santo dos santos e a fonte de toda santidade. Se praticamos a Palavra, por meio de uma vida eucaristizada e, portanto, eclesial, estou certo de que seremos abençoados e estaremos no caminho do céu. Um abraço e que Deus lhe abençoe!
Padre Renato Vieira, SAC é palotino e reitor do Santuário Cristo Rei e São Judas Tadeu, em Curitiba, Paraná