Whiplash: Em Busca de Perfeição

“Vós sabeis que a Igreja continuou a nutrir grande apreço pelo valor da arte enquanto tal. De fato, esta, mesmo fora das suas expressões mais tipicamente religiosas, mantém uma afinidade íntima com o mundo da fé, de modo que, até mesmo nas condições de maior separação entre a cultura e a Igreja, é precisamente a arte que continua a constituir uma espécie de ponte que leva à experiência religiosa.” Quem nos diz isso é o santo João Paulo II, em 1999 numa carta escrita aos artistas do mundo todo. De fato, a arte procura sempre ser uma expressão daquilo que é belo, ou seja, do bem. A arte sempre está a serviço do bem comum.

Continua São João Paulo II nos dizendo que todos aqueles que sentem em si um chamado a uma vocação artística deve desenvolve-la e coloca-la a serviço da humanidade. Na criação, depois de contemplar a obra nascida do gênio artístico do Senhor, Ele cria o ser humano e dá a ele a missão de “dominar toda a natureza” (Gn 1,28), ou seja, plasmar essa natureza como artífice, se tornando imagem de Deus, e recebendo também do Senhor esse dom artístico. Deus criou tudo a partir do nada e deu ao ser humano a graça de criar, a partir de coisas existentes, coisas ainda mais perfeitas. Quanto mais o artista entende seu dom, tanto mais ele consegue contemplar a arte e louvar a Deus e compreender sua missão no mundo.

No filme Whiplash: Em Busca de Perfeição, conseguimos acompanhar a história de um artista buscando tornar sua arte cada vez mais perfeita. Um baterista, estudante do melhor conservatório de música do país é convidado para fazer parte da banda do conservatório, mas ali encontra um professor extremamente exigente e duro, que o leva a buscar de um modo obsessivo a perfeição, para ser o melhor baterista de jazz de sua geração. Em meio a treinos e ensaios rigorosos, com suor e sangue, Andrew, o baterista, segue firme esse sonho, sem perceber o quanto a relação com seu instrutor está sendo doentia.

Considerado um dos melhores filmes dos últimos anos, Whiplash ganhou três Oscar em 2015 e nos traz bastante elementos para refletirmos diversos aspectos da vida humana. Primeiramente falando dos protagonistas: Andrew, filho de um escritor falido, abandonado pela mãe, consegue estudar na melhor escola de música do país. Carrega o sonho de se tornar um grande artista e leva sua vida ao extremo da dor para conseguir seu objetivo. O professor Fletcher, autoritário, rigoroso e com jeito de poucos amigos, a todo momento gritando e humilhando seus alunos, chegando até a agressão física. Diz professor ao longo do filme, que elogiar um aluno é a pior coisa que pode fazer, pois os deixariam acomodados e o seu objetivo é faze-los chegar à perfeição. É incômodo ver essa relação dos dois, pois ao mesmo tempo que a gente torce para que Andrew atinja seus objetivos, percebemos como essa busca está distorcida, uma vez que ele despreza a família, abandona a namorada e fica obsessivo.

Quando são João Paulo II nos fala da arte como um dom divino, que nos faz imagem e semelhança de Deus, o santo nos fala para buscar sempre mais a perfeição, desenvolvendo nossos dons, conforme a parábola dos talentos (Mt 25,14-30). No filme, vemos o oposto disso: um professor que humilha e critica seus alunos, fazendo-os chegar ao esgotamento, como se seus alunos nunca fossem bons o suficiente para aquilo. Mas sabemos que isso não é verdade e sentimos a dor no olhar dos músicos do filme. A perfeição artística que o papa nos dizia, é aquela que nos aproxima cada vez mais do Criador, o grande artista que plasmou o mundo: nosso Deus e Pai. Todos nós, imagens desse Pai, somos convidados a sermos também artistas cada vez mais perfeito: artistas que moldam suas vidas no caminho de Deus.

O próprio Deus, na plenitude dos tempos, assumiu nossa natureza humana e se tornou o modelo de vida para nós na obediência a Deus e na vivência da caridade perfeita. O dom artístico foi dado para cada um de nós para aprendermos a conformar nossa vida conforme a imagem de Jesus Cristo, homem perfeito. Isso é tão importante, que o próprio Jesus se apresenta como Caminho para chegar ao Pai (Jo 14,6). É trilhando esse Caminho, mesmo com nossos passos imperfeitos, que conseguiremos atingir a perfeição que o Pai nos pede. Ser perfeitos não é ser melhor que o outro, mas é ser melhor que eu mesmo a cada dia.

O momento final do filme Whiplash tem uma cena maravilhosa. Depois de humilhado numa apresentação, Andrew sai do palco chorando e encontra seu pai. Os dois se abraçam, e então Andrew retorna no palco e faz uma apresentação arrebatadora. Poucas vezes o personagem do pai de Andrew aparece no filme, mas ao fim, esse abraço de pai foi o suficiente para o baterista encontrar a força que precisava para superar toda a humilhação e dor que passa durante o filme, e chegar ao ponto perfeito que buscava. Também o Pai celeste está sempre de braços abertos para nos abraçar e acolher e nos levar para o melhor caminho.

 

Whiplash: Em Busca de Perfeição

Damien Chazelle, 2014

Drama/Música – 1h47

Disponível em Netflix

 

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Texto escrito pelo padre Tiago Felipe Polonha da Arquidiocese de Curitiba